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De Lula livre a Lula presidente: um balanço da atuação do PT, por Gleisi Hoffmann

Data de publicação: 09/05/2024

Avaliar a trajetória do PT nos últimos sete anos é revisitar alguns dos momentos mais difíceis de nosso partido e ao mesmo tempo constatar a capacidade que demonstramos de superá-los, com resiliência e firme determinação política. Quando a atual direção nacional do partido assumiu, em 2017, o país vivia sob o governo do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, nosso presidente Lula estava recém-condenado pela farsa judicial da Lava Jato, tínhamos dirigentes presos e o partido ainda amargava a dura derrota eleitoral de 2016. Nossos adversários e sua mídia decretavam que o PT e Lula estavam mortos para a política.

Naquela duríssima conjuntura, nossa primeira atitude foi “coesionar” o PT na defesa do partido e, principalmente, na defesa da inocência de Lula frente às acusações falsas. Lula era e sempre foi a síntese maior de nosso compromisso com a classe trabalhadora, do nosso projeto e legado para o país. Por isso, sua defesa tornou-se o centro político e mobilizador de nossa atuação. E quando até aliados de nosso campo se rendiam aos adversários e suas falácias, recusamos a passividade, a conciliação, e assumimos o enfrentamento em todos os campos: na Justiça, nas ruas, nos espaços do parlamento.

Foi muito importante retomar o diálogo com as bases sociais do partido. Medidas de política econômica do início do segundo governo Dilma, divergentes do que havíamos defendido contra o neoliberalismo, numa dificílima campanha pela reeleição, haviam surpreendido e decepcionado aliados históricos nas centrais sindicais e nos movimentos sociais. Cuidamos de nos reaproximar desses aliados na campanha em defesa de Lula, reafirmando nosso projeto e fortalecendo as secretarias e setoriais do PT que dialogam diretamente com a base social do partido.

Frente ao cerco midiático e à tentativa de isolamento do PT em 2017, retomamos a iniciativa política por meio das Caravanas Lula Pelo Brasil. Levamos nosso maior líder para falar diretamente com o povo e com a sociedade organizada. Em agosto e setembro as caravanas reuniram milhares de pessoas em todos os estados do Nordeste, depois em Minas, no Espírito Santo e no Rio. Já no início de 2018, chegamos aos estados do Sul, onde enfrentamos, sem nos intimidar, a violência, ataques com paus e pedras e até tiros, por parte de uma extrema-direita que antecipava as práticas do bolsonarismo.

Nós já havíamos organizado uma grande mobilização popular em Curitiba, em maio de 2017, quando Lula compareceu à audiência do processo do triplex. Fizemos nova grande mobilização no começo de 2018, em Porto Alegre, quando o TRF-4 aumentou a condenação injusta para mais de 11 anos de prisão. As farsas judiciais, no entanto, não apagavam Lula da memória e do coração do povo, e seu nome liderava todas as pesquisas para a eleição presidencial, com cenários de vitória no primeiro turno.

A essa realidade, nossos adversários reagiram pressionando o Supremo Tribunal Federal, inclusive por meio do então comandante do Exército, a negar a Lula o direito constitucional de recorrer em liberdade. No dia 7 de abril de 2018, ele se entregou à Polícia Federal, depois de passar 48 horas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC junto a milhares de pessoas que manifestavam solidariedade e indignação com a prisão ilegal. O PT não abandonou Lula nem por um minuto e nossa militância já o aguardava diante da sede da PF em Curitiba, na Vigília Lula Livre que durou 580 dias e noites. A determinação e coragem de Lula, juntamente com sua defesa da verdade, foram fundamentais para que atravessássemos o período mais duro de nossa caminhada política.

Além da Vigília, organizada pelos movimentos sociais e pelo PT e pela qual passaram mais de 100 mil pessoas, incluindo lideranças políticas, religiosas e artistas de todo o mundo, a injustiça contra Lula levou à formação dos Comitês Lula Livre e da campanha internacional Free Lula. O partido organizou os Festivais Lula Livre (grandes shows em São Paulo, no Rio e no Recife, além de outras cidades), com apoio fundamental do MST, CUT, MAB, MTST e outros movimentos. E sustentamos política e financeiramente a defesa judicial de Lula em 11 ações penais e mais de 200 outros procedimentos em diversas instâncias, inclusive em cortes internacionais, sem jamais hesitar quanto a sua inocência.

A coerência de nossa linha política foi testada ao limite quando decidimos manter a candidatura de Lula, que mesmo preso seguia liderando as pesquisas eleitorais. Havia pessoas do nosso campo, e até mesmo do PT, que defendiam o lançamento imediato de outro nome, mas era Lula quem nos unia, tinha a preferência popular e simbolizava a luta. E não podíamos aceitar passivamente uma inelegibilidade contrária à Constituição. Registramos a chapa Lula-Haddad em 15 de agosto, no auge da Marcha a Brasília com dezenas de milhares de militantes. Dois dias depois, o Comitê de Direitos Humanos da ONU afirmou o direito de Lula ser candidato mesmo preso. E o TSE teve de assumir o ônus histórico de cassar seu registro, em nova arbitrariedade.

A passagem para a candidatura do companheiro Haddad se deu num quadro em que apenas um aliado histórico, o PCdoB, nos acompanhou formalmente, indicando a vice Manuela Dávila, junto com o PROS. Com muito esforço de articulação política conseguimos o apoio informal, mas efetivo, de parte do PSB e de aliados regionais de outros partidos. Mesmo com todas essas dificuldades, levamos o companheiro Haddad ao segundo turno para obter 47 milhões de votos, como representante de Lula, numa eleição em que praticamente todas as outras forças políticas foram anuladas por Jair Bolsonaro, que se tornara o verdadeiro nome do sistema de poder no país.

O fato é que o PT sobreviveu a uma campanha de cerco e aniquilamento, a maior campanha da história contra um partido e seu líder; elegemos quatro governadores do partido e importantes aliados no Nordeste, mantivemos uma boa bancada na Câmara e seguimos lutando por Lula e pelo Brasil. As revelações da chamada “Vaza Jato” vieram confirmar tudo que denunciávamos sobre a operação Lava Jato, as manipulações, ilegalidades, desvios, utilização política do processo judicial, enfim, o lawfare. Nossa primeira vitória veio em novembro de 2019, quando o STF resgatou o princípio da presunção de inocência, e Lula deixou a prisão para nos reencontrar no 7º. Congresso do PT, que elegeu a atual direção nacional. Mesmo antes de recuperar seus direitos políticos, Lula livre assumiu papel fundamental na oposição sem tréguas que vínhamos fazendo ao desgoverno de Bolsonaro.

Desde o início trabalhamos para reagrupar o campo político e partidário popular e de centro-esquerda. Soubemos ser generosos com antigos parceiros, cedendo espaços de participação no Congresso, por exemplo. E sem jamais impor o hegemonismo de que éramos acusados, retomamos as articulações com PSB, PDT, PCdoB, PV, PSOL e Rede para compor um campo de resistência, incialmente no Congresso, que se desdobrou em iniciativas e mobilizações conjuntas, inclusive no Judiciário. Em 2020 consolidamos o Fórum de Partidos Progressistas.

Esta articulação se reproduziu apenas pontualmente nas eleições municipais de 2020, quando o PT conseguiu – e não foi pouca coisa – ampliar a votação nos grandes centros, mas apenas sobreviver, com perdas, às máquinas eleitorais e reeleitorais fortalecidas pelo “orçamento de guerra” de Bolsonaro e Paulo Guedes, em plena pandemia de Covid. O diálogo com o campo popular e de centro-esquerda, no entanto, mostrou-se de grande valia e se tornou o embrião da frente política e partidária que iriamos constituir em 2022. Foi também a origem da Federação Partidária que acabamos firmando com PCdoB e PV.

Romper o isolamento político e partidário foi essencial para as tarefas que nos colocamos como oposição. Denunciamos cada desmando, dentro e fora do país, votamos contra todos os retrocessos no Congresso, expondo o caráter antipovo e antipaís do neoliberalismo; apoiamos mobilizações do Fora Bolsonaro, articulamos o mais fundamentado e mais amplo pedido de impeachment contra Jair Bolsonaro, desgastando seus aliados. Na pandemia, partiram do PT, em conjunto com o campo político progressista, as propostas que levaram algum alívio à população, como o auxílio de R$ 600 e as ações ordenadas pelo STF para exigir o calendário de vacinas e medidas proteção social à saúde.

Quando o STF julgou, em março de 2021, o habeas corpus da suspeição de Sergio Moro, anulando suas sentenças ilegais e decretando o ex-juiz parcial e incompetente, a campanha Lula Livre teve sua vitória definitiva. Ao retomar plenamente seus direitos políticos e uma candidatura ao Planalto imediatamente reconhecida como natural, Lula encontrou o PT firmemente colocado no centro da oposição e na vertente das forças políticas populares, democráticas e de centro-esquerda. Estávamos preparados para um novo desafio.

Por termos enfrentado a luta política nas mais duras condições, sobrevivendo a profundos revezes e diante de um cenário nacional e global bastante diverso daquele em que o PT nasceu e cresceu, assumimos com mais experiência a enorme responsabilidade de resgatar o Brasil para a democracia e para um projeto de desenvolvimento com justiça social. E estivemos à altura, lançando a chapa Lula-Alckmin, que surpreendeu a muitos, e uma frente política, ampliada no segundo turno, para enfrentar e derrotar o mais sujo adversário eleitoral, que não teve limites no uso da máquina, do dinheiro, da intimidação e da mentira. Contra tudo isso, colocamos no centro da campanha a economia popular e o compromisso de reconstruir o país.

Lula Livre e Lula Presidente são as marcas indeléveis da trajetória do PT neste período de sete anos, um tempo tão breve na história e ao mesmo tempo tão rico de lutas e resistência, de enfrentamento e de esperança. Duas marcas que se entrelaçam na coerência com o compromisso original do PT: em defesa da classe trabalhadora, dos direitos e de uma vida melhor para o povo e na construção de um modelo brasileiro e democrático rumo ao socialismo.

Para um balanço justo dessa etapa, é necessário ressaltar o esforço do conjunto da direção partidária para nos fortalecer. A secretaria de Comunicação construiu nosso próprio sistema de comunicação interna e externa, por meio de redes sociais e um canal de TV; a secretaria de Finanças e Planejamento encaminhou a resolução de dívidas antigas – e não deixará novas para o futuro – e ampliou a arrecadação de recursos próprios. Reorganizamos a assessoria jurídica e a organização partidária, ampliando o número de filiados e diretórios locais e filiados.

Fortalecemos nossa Fundação Perseu Abramo, as secretarias e setoriais, com destaque para projetos como o Elas por Elas, para as mulheres, o Nova Primavera, para a formação política, o Representa para a juventude. Fortalecemos a Secretaria de Combate ao Racismo e criamos a Secretaria LGBT, entre tantas outras iniciativas com nossa militância e dirigentes. E procuramos manter uma relação respeitosa e constante com as instâncias estaduais e municipais, nossos governadores, deputados(as) estaduais, prefeitos(as) e vereadores(as) em todo o país.

De volta à responsabilidade de governar o Brasil, em necessária composição com partidos de centro e centro-direita, diante de um Congresso majoritariamente conservador e de uma extrema-direita ativa e ameaçadora, temos o desafio de manter a coesão do PT, do campo popular e de centro esquerda, além da frente democrática que é fundamental para evitar retrocessos, inclusive nas eleições deste ano e de 2026. É essencial nesta nova etapa ajudar o governo Lula a cumprir os compromissos com o país, como o PT tem feito, indiscutivelmente, por meio de nossa direção e de nossas bancadas no Congresso Nacional, sem nunca deixarmos de externar as posições partidárias em um governo o de composição.

O PT conquistou, sob a liderança do presidente Lula, uma nova oportunidade de mudar o Brasil. Tenho certeza de que vamos corresponder à esperança de nossa gente.

Gleisi Hoffmann, Presidenta do PT e deputada federal pelo Paraná

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