‘A Bahia é o principal estado para Lula no Brasil’, diz Éden

O presidente do Partido dos Trabalhadores na Bahia, Éden Valadares, defendeu, em entrevista exclusiva à Tribuna, a renovação no partido como parte estratégica da atuação política e avaliou os avanços do PT no estado nos últimos anos. Ele será sucedido por Tassio Brito, eleito com mais de 73% dos votos no Processo de Eleições Diretas (PED), e que assumirá oficialmente o cargo em setembro.
Ao fazer um balanço da sua gestão, Éden destacou o compromisso com a democracia interna e a formação de novas lideranças, que se refletiu, segundo ele, na votação expressiva de Tassio. O dirigente também apontou o crescimento da legenda nas eleições municipais de 2024 como um dos marcos da atual direção. O PT elegeu 50 prefeitos – aumento em relação a 2020 – e expandiu sua presença em mais de 380 cidades.
Sobre os desafios eleitorais futuros, Éden classificou a Bahia como “o principal estado para Lula no Brasil” e defendeu que o PT local tem a responsabilidade de barrar o que chamou de fusão entre o bolsonarismo e o carlismo. Para ele, o partido deve contribuir com a votação do presidente Lula em 2026 derrotando a direita na Bahia.
Em relação à perda de espaço da legenda em Salvador, o dirigente argumentou que a reconexão com a capital baiana passa por compreender as transformações da classe trabalhadora.
Éden comentou ainda a polêmica em torno de uma eventual chapa “puro-sangue” com Jerônimo Rodrigues, Jaques Wagner e Rui Costa em 2026. Ele disse que o debate será amadurecido no fim do ano e que deve ser tratado com equilíbrio e responsabilidade. Ao ser questionado sobre erros e acertos de sua gestão, preferiu mirar no futuro. Disse que sua trajetória foi marcada por abrir caminhos e renovar quadros.
Confira a entrevista na íntegra:
Tribuna da Bahia – Você justificou a decisão de não concorrer à reeleição como um respeito ao ciclo político e à renovação partidária. Quais foram os principais resultados de sua gestão que reforçam esse compromisso com a democracia interna e a formação de novos quadros?
Éden Valadares – Minha decisão tinha, teve e tem um caráter profundamente político. Eu aprendi que a gente deve ser flexível na tática, mas firmes nos ideais, valores e no que é estratégico. E o compromisso com a renovação é de concepção de partido. Inegociável. Compromisso meu, de Jaques Wagner e cada vez mais de mais companheiros. E estou muito orgulhoso da histórica votação que a tese da renovação teve neste PED, com mais de 73% dos votos para Tassio e a chapa 440 com mais de 50%. Uma prova inequívoca de que o processo de renovação e o nosso mandato tiveram um julgamento positivo da militância do PT. Nós valorizamos a democracia interna do PT e o funcionamento das suas instâncias, demos transparência às Finanças, democratizamos o Fundo Eleitoral e promovemos a ascensão e consolidação de novas lideranças. Não foi só com Tassio na Bahia, foi também com Aninha em Salvador, Nina em Itabuna, Camile em Ilhéus, Rafael em Teixeira, Vinícius em Juazeiro, Renata em Paulo Afonso, Adriano em Feira, Viviane em Conquista, enfim. A renovação foi a grande vitoriosa nas eleições do PT Bahia e isso é inegável.
Tribuna – O PT na Bahia comemorou conquistas importantes em 2024: elegeu 50 prefeitos, um crescimento em relação a 2020, expandiu sua estrutura partidária em mais de 380 cidades e promoveu o maior PED da história. Como o senhor analisa esses avanços?
Éden Valadares – Com a humildade de quem sabe que essas conquistas são coletivas, são frutos de trabalho de muita gente, muitos militantes, dirigentes, forças políticas vivas do PT. Mas também de uma opção política que a atual direção, a renovada direção do PT, tomou. Primeiro, ao pegar para si a campanha de Jerônimo quando muita gente ainda duvidava da sua competitividade. Nós fomos para dentro da agenda, do estúdio, do comitê e das ruas ao lado do hoje governador Jerônimo. E ao lado dele apostamos na retomada do crescimento do PT nas eleições municipais. Chegamos no teto que a gente queria? Ainda não. Mas já somos o maior PT do Brasil ao lado do Ceará e do Piauí. E Jerônimo teve papel fundamental. Ele fez campanha para mais de 70 candidatos a prefeito do PT e gravou para mais de 120 candidatos e candidatas. Então, reconhecendo que se trata de algo coletivo e que o governador também teve papel importante, eu quero valorizar o papel que teve a atual direção e cumprimentar Jojó, Rafaela, Glauco, Aluã, Mandelli, Liliane, Rafa Rios e gente que passou por ela como Adolpho, Herbert, Luciene. Nossa geração é muito responsável pelo fortalecimento e retomada do crescimento do PT na Bahia.
Tribuna – O senhor identificou que a Bahia é “o principal estado para Lula no Brasil”. Como pretende que o PT-BA contribua para ampliar essa base eleitoral nas eleições de 2026? E quais os riscos diante de avanços da direita no Brasil?
Éden Valadares – Conter o avanço da extrema direita não é tarefa apenas na Bahia ou no Brasil. Há um crescimento das políticas do ódio, das fake news, da manipulação eleitoral, do preconceito e da discriminação por todo o mundo. É o trumpismo, o bolsonarismo, e na Bahia é o carlismo. Então, repare, te respondendo diretamente, o PT da Bahia contribuirá com essa agenda derrotando a tentativa de volta do carlismo que, na Bahia, incorporou o bolsonarismo e virou uma coisa só. Não há diferença eleitoral entre ACM Neto e João Roma, ou Bruno Reis e Doutora Cloroquina. O 44 é o 22, e o 22 é o 44 na Bahia. Então nossa contribuição enquanto estado é derrotar a expressão da direita na Bahia que é o Neto de ACM, e dar a maior votação possível para o presidente Lula.
Tribuna – Falando da Bahia, nos últimos anos o PT perdeu força em Salvador enquanto manteve trajetória ascendente no cenário estadual. Que estratégias são necessárias para reconectar a legenda com a nova classe trabalhadora da capital?
Éden Valadares – Essa é uma outra agenda em que o debate sobre renovação incide. A gente se pergunta sobre como reconectar o partido à classe trabalhadora em Salvador, né? Mas a classe trabalhadora de quando o PT foi fundado é a mesma hoje? A classe trabalhadora de quando vencemos o governo com Wagner em 2006 é a mesma hoje? Não temos mais trabalhadores com alta qualificação e remuneração à frente dos sindicatos, não temos mais sindicatos super fortes e com enorme base sindical. Quantos eram os bancários há 20, 40 anos atrás e quantos são hoje? Então meu argumento é que a reconexão do PT com a classe trabalhadora em Salvador e na Região Metropolitana depende de um gesto de humildade do nosso partido em mergulhar e ressignificar a relação do PT com os trabalhadores de hoje. Com quem está nos aplicativos e sofre com a uberização do mercado de trabalho, com quem foi “pejotizado” e hoje é MEI, quem está na informalidade, quem tem seu pequeno negócio. É preciso abrir o PT para a atual classe trabalhadora, para as juventudes, as novas gerações que estão no corre do trampo, mas também fazendo ativismo, cultura, moda, pensamento. Ou a gente compreende essa profunda dimensão da necessidade de renovação ou a gente corre o risco de não mais dialogar, representar e liderar a luta popular nestas cidades.
Tribuna – Recentemente o PT estadual enfrentou tensões sobre uma possível chapa puro-sangue. Como o senhor avalia os riscos dessa composição para a unidade da base aliada? Em que momento se decide avançar ou recuar desse projeto?
Éden Valadares – Penso que esse debate vai começar a tomar mais forma a partir de novembro e dezembro. Nós falamos desse assunto logo no começo do ano em sinal de respeito aos partidos aliados. Tratamos o assunto sobre a mesa, de maneira transparente, sem subterfúgios. Lançamos a questão: e se uma chapa com Jerônimo, Wagner e Rui se mostrar realmente mais competitiva? E se ela nos der maior chance de vitória e ampliar a votação de Lula na Bahia? Estamos proibidos de debater essa possibilidade? Acredito que não. Mas se isso significar o risco de perder a aliança que governa e muda a Bahia, estamos mesmo assim obrigados a lançar essa chapa? Também acredito que não. Nem obrigação nem proibição, mas um sensato debate sobre a possibilidade. É preciso equilíbrio, bom senso, maturidade e responsabilidade na montagem dessa engenharia. Mas isso a gente tem demonstrado muita capacidade de diálogo e de encontrar as melhores soluções. Confio nas nossas lideranças e nas direções dos partidos na construção desse processo.
Tribuna – O senhor mencionou que o PT busca dar mais votos para Lula e, em paralelo, garantir a reeleição de Jerônimo como governador e do próprio Wagner ao Senado. Qual o papel do PT-BA neste esforço e como o partido planeja dialogar com aliados sem subordinar a independência partidária?Éden Valadares – Como sempre fizemos: com respeito e diálogo franco com todos os partidos aliados. Repare, há uma Bahia antes e uma Bahia agora com os governos do PT e nossos aliados. Nas áreas da Educação, Saúde, Estradas, Infraestrutura e nos programas sociais. Mas também em uma dimensão imaterial que por vezes é subestimada, a nova cultura política na Bahia. A Ciência política, a História política vai já, já escrever sobre esse período. Não sei que nome darão, mas esse período inaugurado por Jaques Wagner e ampliado por Rui, Jerônimo, Otto Alencar, Lídice da Mata e tantos outros, definitivamente, marca uma era na história política da Bahia e seu principal advento no século XXI. Aqui acabou a figura do chefe, do manda quem pode e obedece quem tem juízo. Aqui é jogo de iguais, de ganha-ganha, onde todos os partidos crescem juntos e os valores republicanos, democráticos, guiam nossa relação com a imprensa, o Legislativo, o Judiciário e até mesmo com a oposição. Nós, sob a liderança de Wagner, enterramos o mandonismo que agora tenta voltar travestido de modernidade na figura do neto da oligarquia, e constituímos um novo modo, um novo jeito, uma nova cultura na Bahia.
Tribuna – Além de Salvador, o PT teve crescimento significativo em cidades como Feira de Santana, Vitória da Conquista e Camaçari. Quais lições dessas experiências podem ser estendidas para a estratégia eleitoral estadual e nacional?
Éden Valadares – O PT tem dois desafios em diferentes dimensões: a dimensão partidária, da sua organização, da necessidade de aprofundamento da sua capacidade de mobilização e comunicação. Mas também da dimensão eleitoral, da importância de reeleger Lula, Jerônimo, Wagner e ampliar nossas bancadas de deputados. Agora, repare, onde essas duas dimensões se encontram? Nos municípios. É no âmbito municipal, nas comunidades, nos territórios, que a política acontece. E só vamos ter um partido forte e mobilizado se construirmos isso primeiramente nas cidades. Como colheremos resultados mais positivos nas eleições estaduais e nacionais se nas eleições municipais a gente tiver feito o dever de casa. Portanto, o fortalecimento do PT na Bahia e no Brasil passa pelo crescimento do PT nos municípios.
Tribuna – Ao olhar para trás, o que considera que deu certo e o que poderia ter sido feito de forma diferente para fortalecer ainda mais o partido na Bahia?
Éden Valadares – Todo processo tem erros e acertos. É natural. Tenho certeza, e a votação do PED é a maior prova disso, de que o saldo é positivo. Mas eu não busco olhar para atrás, não. Ao contrário. Minha trajetória política é muito marcada pelo ineditismo, por estar na vanguarda, por ser aquele que arrisca renovar e abrir novos ciclos. Foi assim na Secretaria de Juventude do PT, foi assim como primeiro coordenador de PPJ do governo da Bahia, foi assim como o primeiro da minha geração a chegar à presidência de um partido na Bahia. Militar no PT é uma escolha de vida e farei isso, com fé no Nosso Senhor do Bonfim, por muitos anos. Então penso que parte do segredo é não se deixar abater quando vem as críticas, mesmo as injustas ou falsas, e nem se deixar deslumbrar quando vem elogio que sou o melhor presidente da história. É a tal história do anel do rei, lembra? “Hoc quoque transibit” que mais ou menos significa “isso também passará”.
Entrevista originalmente publicada na Tribuna da Bahia